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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Esqueceu-se de respirar e morreu!

Minha mulher contou-me um dia que, quando pequena, seu João, um vizinho de casa, havia sido encontrado morto logo de manhã em sua própria cama. Seu João era muito conhecido de todas as crianças, pois era um contador de histórias, daquelas que deixam as crianças com a respiração presa, histórias assustadoras.

Pequenina, minha mulher perguntou a uma tia como seu João havia morrido e ela respondeu-lhe que o velho havia se esquecido de respirar. Esta resposta deixou a menina muito angustiada, pois quando se deitava temia que, ao dormir, pudesse se esquecer de respirar e morrer –como é fácil perturbar a vida de uma criança, até mesmo com brincadeiras que ela não tem condições de assimilar!

Mas, o que parece ser fruto de uma brincadeira de mau gosto não deixa de ser, freqüentemente, uma verdade: dia após dia, esquecemo-nos de respirar e acabamos “morrendo” por falta de oxigênio. E não precisa ser velho para isso, pois há muitos jovens nesta condição.

Procurando na internet, garimpei a notícia de que a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto havia pesquisado efeitos do barulho em ambientes de trabalho, chegando à conclusão, entre outras, de que o barulho, em longo prazo, afeta a capacidade respiratória das pessoas (sem que elas o percebam). Quantos jovens não estão nesta situação, no trabalho, em suas casas ou nos bailes!

Recentemente escrevi um artigo sobre depressão para este Portal, no qual trazia a opinião de Alexander Lowen, que cinqüenta por cento do trabalho terapêutico para vencer a depressão consiste no trabalho corporal para fazer os deprimidos respirarem, a fim de restituir-lhes a vitalidade, e fazê-los enraizar-se no chão, quando estiverem “voando” atrás de ilusões. Quantas pessoas não precisam respirar para se sentirem bem! Há outras pessoas que precisam descobrir o quão precariamente estão respirando. Uma condição prejudicial à saúde, que deprime a respiração e afeta muitas pessoas em todas as idades, é “o estresse que não pára”, ou distresse.

Distresse, uma palavra ofegante

A literatura médica está farta de artigos sobre estresse e distresse (distinção criada por Harold G. Wolf, 1953), pois este é o mal do século, um mal que se pode prevenir e combater sem remédios, mas que continua assolando nossas vidas, por conta da (des)organização social. Se nós não engendramos este mundo que nos faz adoecer por nossa livre vontade, nós também acabamos agüentando-o, ao não promovermos as necessárias mudanças em nossos estilos pessoais e sociais de viver.

O estresse (físico-emocional) é o conjunto de modificações que se operam em nosso organismo, como reação a estímulos ambientais não usuais (um ataque físico, um desafio importante, uma forte emoção tanto agradável como aversiva, por exemplo). O distresse é a manutenção deste conjunto de modificações em nosso corpo por um período de tempo superior ao que ele pode agüentar sem que ele se desequilibre. Cada um de nós tem uma capacidade própria de lidar com situações estressantes e de agüentá-las e, portanto, um limite pessoal além do qual nosso organismo se deteriora. Cada um de nós também percebe os estímulos ambientais de forma diferente: alguns podem reagir em sua própria defesa apenas a partir de estímulos fortes de “ataque”; outros podem interpretar, até inconscientemente, como “sinais de perigo” qualquer percepção de ansiedade.

Costuma-se dizer que o estresse é um padrão de comportamento necessário para a sobrevivência (para defender-se dos ataques hostis) e que se construiu ao longo da evolução até a espécie humana. É o mecanismo do “lutar ou fugir” e que atua como um sistema de alerta e defesa de si próprio. Faz parte deste padrão de defesa, além da dilatação das pupilas (para enxergar mais), da concentração do sangue nos músculos mais poderosos (para fugir ou lutar) e da aceleração dos batimentos cardíacos (para aumentar o débito sanguíneo), a modificação do ritmo da respiração, de lento para rápido e de sua estensão, de profunda para superficial (para ficar de prontidão). O estresse prolongado (ou distresse) reforça, então, padrões de resposta não saudáveis, pois pereniza, entre outros modos de comportar-se, um tipo de respiração “ofegante”, uma respiração rápida e superficial.

Respirar (bem) é preciso

Estressados ou não, o fato é que durante o dia não percebemos nossa respiração e não tomamos consciência de como respiramos. Quanto mais nos dedicamos com corpo e alma a alguma tarefa, tanto mais estamos sujeitos a sofrer de um padrão “minimalista” de respiração e até a parar de respirar, durante lapsos de tempo.

Sabemos que o sangue em circulação em nosso corpo transporta o oxigênio que respiramos para todas e cada uma das células e que quanto menos oxigênio respiramos menos vitalidade possuímos. Schneider[1] afirma que um padrão de respiração superficial contínua reduz a circulação do sangue no corpo, especialmente em sua periferia, provocando nas células, ao mesmo tempo, uma fome de oxigênio e uma alta toxicidade e ocasionando mãos e pés frios, fadiga e perda de concentração e de clareza mental.

As pessoas de maior poder aquisitivo, tendo aprendido a importância de respirar bem, costumam freqüentar academias, para fazer exercícios aeróbicos, mas elas ainda não se deram conta de que não é suficiente respirar bem apenas durante algum período e mal durante a maior parte do dia. Nosso cérebro precisa entender que necessitamos de respirar plena e profundamente, não apenas durante alguns exercícios, mas também mesmo quando estamos em situações que não são ideais para a respiração.

Respirar bem significa respirar através do nariz, tanto na inspiração como na expiração. Os pelos e o muco das narinas filtram, aquecem e umedecem o ar que entra no nariz, tornando-o mais limpo e respirável pelos pulmões. A boa respiração implica que se expandam bem os pulmões na inspiração, mas também que a expiração seja tão ou mais longa e eficaz que a inspiração. Para respirar bem precisamos expelir o ar pobre em oxigênio que permanece em nossos pulmões.

Não basta tomarmos consciência de que respiramos mal e precisamos respirar melhor, embora este seja o primeiro passo imprescindível. É necessário “assumir o controle de nossa respiração”, o que é uma idéia revolucionária, para Meir Schneider. Isto se faz preparando o corpo para receber uma respiração profunda, através da percepção da respiração e por meio da massagem e da visualização, alongando e soltando a musculatura que envolve o tórax, para que ele possa expandir-se com facilidade, praticando exercícios para criar demanda por oxigênio em seu corpo[2].

Os meandros da respiração

Por que, afinal, não respiramos bem? É tão simples respirar! O que dificulta nossa respiração?

Desde pequenos, muitos episódios físico-emocionais (agradáveis, mas sobretudo desagradáveis) de nossa vida vêm criando tensões em nossos músculos. As tensões que chegam a se organizarem como padrões de respostas às nossas próprias emoções e aos eventos externos que nos atingem moldam nosso próprio organismo, criando zonas de trânsito respiratório livres e zonas de bloqueio. Assim, o ar deveria entrar facilmente pelo nariz, descer suavemente pelos brónquios até a caixa torácica, onde os pulmões deveriam se expandir e contrair livremente, num movimento que vai da garganta até o assoalho do abdômen. A onda inspiratória inicia-se dentro do ventre e se propaga para cima em direção à garganta e à boca. A onda expiratória faz o movimento contrário. Quando há áreas de tensão que bloqueiam a onda, os movimentos respiratórios tornam-se restritos e espásticos.

O movimento repiratório deveria ser percebido como uma energia que escorre por todo o corpo, do topo da cabeça até os pés, tanto na parte de frente do corpo como em sua parte posterior. Mas a vida que levamos freqüentemente cria entraves para o ar e nossa respiração não se mantém em seu estado ideal, tornando-se uma respiração superficial, ofegante, imperceptível à nossa consciência corporal.

Os bloqueios da respiração

Alexander Lowen orienta-nos entre os meandros dos bloqueios respiratórios. Ele observa que se o ventre estiver flácido e as nádegas apertadas há poucos movimentos abdominais nos movimentos respiratórios. A respiração torna-se torácica ou diafragmática como fruto de um anel de tensão em volta da cintura. Observa, também, que as tensões abdominais surgem para reprimir sensações sexuais[3], controlar as funções escretoras e diminuir a dor causada pelo choro persistente da criança que não consegue ser atendida pelos pais[4]. As tensões diafragmáticas são originadas pelo medo e produzem uma elevação das costelas inferiores.

Meir Schneider[5], por sua vez, observa que “a respiração superficial crônica inibe a expansão do tórax e do diafragma, contraindo os músculos e levando, por fim, ao estreitamento da cavidade torácica, ao arredondamento para frente dos ombros e à distorção da postura do pescoço e da região dorsal superior”.

Lowen acrescenta que uma parede torácica rígida também reduzirá as sensações e os sentimentos associados com o coração (o amor não está livre), nesta parte do corpo, afetando a profundidade da respiração.

As tensões nos ombros, que inibem os movimentos naturais de pegar e de estender, também afetam a respiração, impedindo o movimento descendente natural da expiração e evitando uma expiração profunda, a qual evocaria sensações na pélvis. A pessoa fica como suspensa num cabide, elevando o centro de gravidade de seu corpo.

Sempre segundo Lowen, há também inibições, ainda mais relevantes, nos músculos da garganta e do pescoço, as quais se desenvolvem para inibir choro e gritos, e que reduzem a absorção de oxigênio –pela contração, diminuindo o nível energético do organismo. Freqüentemente estas tensões estendem-se para dentro da cabeça e da boca, fazendo parte de uma inibição do ato de sugar (respirando, sugamos o ar).

Um outro anel de tensão, para Lowen, pressiona a base do crânio: espasticidade dos pequenos músculos occipitais e dureza, na frente, da musculatura que movimenta a mandíbula (a contração da mandíbula gera sua posição retraída –significando falta de auto-afirmação– ou proeminente –evidenciando uma mandíbula desafiadora, não condescendente). Como as tensões da mandíbula incluem os músculos internos pterigóides[6], que se inserem na base do crânio, este anel de tensão bloqueia o fluxo de sensações do corpo para a cabeça.

Lowen acrescenta que há outros padrões de tensão muscular crônica que perturbam as ondas respiratórias e bloqueiam o livre fluxo das excitações no corpo, tais como, por exemplo, a espasticidade dos músculos longos das costas e das pernas e as áreas de colapso, ou seja, as áreas do corpo em que a rigidez muscular se quebrou por causa de estresse, de forma a se tornaram flácidas.

Enquanto você decide o que fazer

Se você se convenceu de sua necessidade de respirar melhor, certamente quererá tomar algumas providências, como comprar o livro de Meir Schneider ou seu Cd (ou os dois), ou ainda escolher um terapeuta de Self-Healing[7] para orientá-lo na empreitada de “assumir o controle de sua respiração”. Isto pode demorar algum tempo. Enquanto amadurece sua decisão, você já pode fazer algo por sua respiração, fazendo a prática corporal que lhe proponho a seguir.

Deite-se confortavelmente em lugar silencioso, com uma almofada em baixo dos joelhos, para sentir suas pernas relaxadas (se sentir tensão no pescoço, talvez você prefira colocar uma pequena almofada também em baixo da cabeça). Procure fazer contato com a superfície na qual você se deitou com toda sua coluna, sem esforço, apenas imaginando que ela é feita de borracha e pode adaptar-se totalmente à superfície.

Coloque suas mãos abertas sobre seu abdômen e sinta sua respiração abdominal durante três minutos. Em seguida, durante três minutos, coloque suas mãos abertas sobre seu peito e procure perceber sua respiração peitoral. Perceba ainda se você está sentindo sua coluna respirando, expandindo-se e contraindo-se ritmicamente.

Agora inspire (enchendo abdômen e tórax) contando (devagar) até seis e expire (soltando o ar) contando até oito, durante os próximos três minutos. Se isso for difícil para você, comece inspirando até três e expirando até cinco. (com o treino, você poderá inspirar até 12 e expirar até 16 ou mais – é importante que você demore sempre um pouco mais para expirar do que para inspirar).

Dobre agora os joelhos, apoiando os pés na superfície sobre a qual está deitado. Deite suas pernas dobradas para o lado direito, girando a cabeça para o lado esquerdo. Depois deite as pernas dobradas para o lado esquerdo, girando a cabeça para o lado direito. Faça isso por 20 vezes de forma lenta e ritmada. Ao deitar as pernas de um lado, você sentirá esticar um pouco a lateral de seu tronco do lado oposto. Procure sentir que seu torax se expande, ao respirar, na parte superior do peito, perto da articulação do ombro. Diga a seu cérebro, que você quer expandir seu tórax assim durante o dia inteiro (ou durante a noite), mesmo quando você não estiver prestando atenção em sua respiração. Se você fizer o movimento das pernas e da cabeça com os braços deitados para trás, a expansão de seu tórax será mais ampla. Faça isso, de manhã, ao acordar e à noite, antes de dormir, todos os dias. Somente os persistentes serão premiados com uma respiração mais profunda e uma vitalidade renovada.

*Mestre em Gerontologia, Psicólogo, Self-Healing Massage Practitioner/ Educator - Level Two

[1] Ver Meir Schneider, Maureen Larkin e Dror Schneider “Manual de autocura: Método Self-Healing”, editado por Triom,1998, v.1, 3-18.

[2] No livro anteriormente citado de Meir Schneider você encontra 25 práticas corporais simples para aprender a respirar bem. Você pode também usufruir da ajuda de um Cd sonoro (“Encontro consigo mesmo”), para conduzir algumas práticas respiratórias, editado pela Associação Brasileira de Self-Healing (www.absh.com.br) por autorização da School for Self-Healing (www.self-healing.org), que você pode comprar na livraria Triom (www.triom.com.br).

[3] As sensações sexuais são geradas no ventre e se propagam por todo o corpo, englobando eventualmente as sensações genitais. São sensações de enlevamento (êxtase), premonitoras de um evento orgásmico, semelhante a um desfalecimento, com perda de consciência (como numa morte). Muitas pessoas reagem com um medo inconsciente dessa “morte” orgásmica e são levadas a reprimir inconscientemente suas sensações sexuais.

[4] “A íntima relação entre respiração, movimento e sentimento é conhecida da criança, porém é geralmente ignorada pelo adulto. As crianças aprendem que segurando a respiração é possível eliminar sentimentos e sensações desagradáveis. Elas encolhem a barriga para dentro e imobilizam o diafragma de modo a reduzir a ansiedade. Ficam deitadas quietas para evitar a sensação de medo. Elas ‘amortecem’ o corpo para não sentir dor (...) quando a realidade se torna insustentável, a criança se retira para um mundo de imagens (grifo do autor), onde o seu ego compensa a perda de sensação corporal através de uma vida fantasiosa ativa.” (in O corpo traído de Alexander Lowen, editado por Summus, São Paulo, 1979, p.20)

[5] Ver obra anteriormente citada.

[6] Dois dos músculos mastigatórios: músculo pterigóide interno ou medial e músculo pterigóide externo ou lateral. A ação do primeiro consiste em fechar a mandíbula e o segundo é responsável por abrir, protundir e mover a mandíbula lateralmente.

[7] Procurar no site www.self-healing.com.br.

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